Era um vez um menino solitário com um pote de palavras
mudas.
E com um punhado de lindezas guardadas. As palavras
que ele colecionava eram igualmente solitárias. Eram doces e precisas e,
naquele tempo, ele não as desperdiçava.
Havia uma menina que colecionava palavras. Palavras
que gritavam numa lucidez inaudível. Palavras bailarinas. Ela as guardava, com
carinho, num baú bem bonito, embaixo da cama.
Numa tarde de primavera, deu-se o encontro dos dois.
Mais que uma fusão de palavras, aquele encontro era uma troca entre duas almas.
Um encontro de sonetos, risos e rimas.
Juntos, os dois caçavam palavras-borboletas num bosque
de sonhos. E plantavam um jardim de poesia e sol. E se apossavam, numa
comunhão bonita, de palavras únicas, raras. Palavras de amor. De um amor que de
simples nada tinha, mas que era bonito e especial, justamente, na sua
complexidade.
Havia, ainda, uma troca pelo olhar. A essa altura eles já sabiam
(ou deveriam saber) que sem os olhos as palavras nada são. São frágeis e
inúteis, como borboletas aprisionadas nos casulos, indefesas, esperando o tempo
certo de voar.
A menina acordou daquele sonho bom. Ela abraçou o travesseiro e fechou os olhos, desesperadamente, na esperança de voltar ao sonho no ponto onde ele havia parado.
Era uma vez uma menina com um pote de palavras.
Palavras mudas.